quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O Alienista: Saber é Poder

Alguns trabalhos acadêmicos que escrevi com meu ilustríssimo parceiro das letras, Sr. Éverton de Lima Silva, não podem se desmacharem no ar. Por isso, os escritos de "Batman e Robin", ou "Octavio Ianni e Henrique Cardoso" - como nos chamávamos - estarão volta e meia presentes aqui! Comecemos então por um dos tantos trabalhos que me orgulho de ter contribuído num exercício sociológico muito legal.


O ALIENISTA: SABER É PODER

O que pode ocorrer numa sociedade onde a ciência tem carta branca para atuar como bem entender? Tem a ciência consigo a verdade? Quais os seus limites? É a ciência sinônimo de uma sociedade mais autônoma? Se Foucault fosse analisar a obra de Machado de Assis “O Alienista”, certamente faria uso da relação entre saber e poder. Isso porque podemos encaixar Simão Bacamarte (o alienista) nessa relação “saber-poder”, afinal por ser o único detentor do saber psiquiátrico em Itaguaí, também passou a ser o único detentor do poder: no sentido de que à medida que estudava sobre a mente humana e seus mistérios, descobria novas formas de categorizar a loucura, de tal modo que, ao encontrar alguém que se encaixasse numa dessas categorias, prendia imediatamente na Casa Verde, deixando clara a relação existente entre saber e poder. Qual a razão de toda essa celeuma ocorrida em Itaguaí? Essa e outras indagações serão respondidas por meio de uma perspectiva foucaultiana do conto em questão.

O Alienista: Um breve Resumo da Obra

O conto tem como protagonista o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza e médico conceituado no Brasil, na Espanha e em Portugal, que regressa da corte para sua cidade natal, Itaguaí. Casa-se com D. Evarista, uma jovem viúva, que não era bonita, mas que reunia em si boas condições anatômicas e fisiológicas para gerar filhos saudáveis. Triste decepção, a esposa de Bacamarte não pôde lhe dar filhos, fato que o levou buscar sarar suas mágoas mergulhando por completo no estudo e na prática da medicina, decidindo, então, estudar os fascínios e mistérios da mente humana, desse modo, torna-se um psiquiatra e começa a estudar a loucura e as formas de classificá-la, conforme seu conhecimento adquirido em sua estadia na Europa. Urge então a necessidade de se construir um asilo para abrigar e estudar os alienados.
Ao chegar a Itaguaí consegue permissão e verba da Câmara de Vereadores para abrir uma casa de loucos, a futuramente temida “Cada de Orates” ou “Casa Verde” (um hospício que serviria para aglutinar suas cobaias de estudo, afinal, a cada descoberta Bacamarte internava uma pessoa da cidade e tentava – através de sua dedicação aos estudos – curá-la).

Convence a todos que o hospício é importante, e, por sua conta e risco, pouco a pouco vai internando todos da cidade (seja por possuir sintomas de modéstia, de vaidade, de insegurança, de fúria, de mansidão, enfim, o que ele julgava loucura).
A princípio todos da cidade concordaram com as ações do alienista, que internou os que realmente eram doentes e viviam na casa dos familiares. Contudo, com o tempo, o que parecia um avanço, um progresso da ciência psiquiátrica itaguaiense, tornou-se passo a passo um terror: o alienista passou a internar cidadãos que aos olhos da sociedade não eram tidos por loucos, como o Costa, o Albardeiro Mateus... Até D. Evarista (digníssima esposa do alienista) e Crispim Soares (seu melhor amigo, o Boticário) não escaparam de ser considerados como loucos.
Essa situação fez com que a população tirasse os louros postos sobre o alienista – considerado agora como “novo Hipócrates” – para pôr-lhe o de “déspota” da “Bastilha da razão humana”. Tal indignação com as arbitrariedades do alienista, gerou um motim popular, uma rebelião liderada pelo barbeiro Porfírio (a rebelião dos Canjicas, que destituiu a Câmara da cidade). Nesse evento Porfírio se tornou chefe da cidade e se auto-cognominou de “Protetor da Vila”, deixando claro que estava a favor de sua Majestade e do povo.
Entretanto, o mais esperado não aconteceu: não se derrubou a Casa Verde, tão pouco se prendeu o alienista. O que ocorreu foram cinqüenta aclamadores do barbeiro presos no hospício além de tempos mais tarde Porfírio compreender a importância da Casa Verde e apoiar o alienista (e mesmo assim foi preso no hospício).
Depois desse ocorrido, o alienista continuou sua incansável busca por mentecaptos em Itaguaí: o menor desvio já era causa de ser levado a Casa Verde. Realmente era o terror. Mas para surpresa de Itaguaí, Dr. Bacamarte soltou todos os loucos. Isso não se deu por um ato de bondade ou simplesmente por atender as súplicas da população, mas porque o alienista criou uma nova teoria que supunha que a patologia cerebral a ser corrigida estaria naqueles que não apresentassem nenhum desvio de conduta. Curados estes, tratou Simão Bacamarte de soltá-los, mas ainda insatisfeito por não ter descoberto nada de novo, afinal todos os recém saídos do hospício já tinham em si próprios, de forma latente, os vícios que ele considerava insanidades.
Então, qual era a verdadeira patologia cerebral? Um pensamento súbito lhe surgiu: seria ele próprio o melhor exemplo? Consultou então os amigos para saber se existia nele algum desvio de conduta. As respostas foram sempre não. Por fim, concordou que não tinha nenhum defeito, nenhum vício e sendo assim, se considerou o mentecapto que tanto procurou. Ato contínuo, o alienista se asilou na Casa Verde para se estudar e dali a dezessete meses expirar como louco (aquele que outrora pensara que vira em todos o verdadeiro sinal de patologia cerebral).

O conto imita a vida

“O Alienista” apesar de ser um conto (e, diga-se de passagem, de muito bom humor), torna possível um paralelo com a realidade, no que diz respeito às relações de poder. A princípio podemos entender quatro coisas nesse conto:
1º O saber sobre os loucos, ou discurso hegemônico sobre eles é substituído pelo discurso científico;
2º O discurso é institucionalizado e aceito como verdade;
3º O novo regime de verdade, de inovação científica, passa a ser um terror para os cidadãos, e mesmo questionado é irrefreável;
4º O alienista-paciente. A auto-crítica científica.

Há um combate “pela verdade” ou, ao menos, “em torno da verdade” – entendendo-se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer “o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”, mas o “conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder”; entendendo-se também que não se trata de um combate “em favor” da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha. É preciso pensar os problemas políticos dos intelectuais não em termos de “ciência/ideologia”, mas em termos de “verdade/poder”. (FOUCAULT, 1979, p.13)

A substituição do discurso

Para Weber o mundo ocidental está passando por um processo de substituição da tradição para a racionalização, no sentido de que a sociedade deixa de ser ordenada por princípios que partem da tradição e passa a se orientar por princípios racionais baseados na relação meios-fins, que é o que Weber chamou de “desencantamento do mundo”, aonde o indivíduo não mais se rege pelo encanto da tradição, mas se transforma num sujeito racional, ascético e esclarecido. Nesse sentido, “Em primeiro lugar, o mais diretamente acessível a um estudo científico é a questão da conveniência dos meios face aos fins dados”. (WEBER, 1974, p.14)
Já para Foucault:

Mas o importante em tais mudanças não é se serão rápidas ou de grande amplitude, ou melhor, esta rapidez e essa amplitude são apenas o sinal de outras coisas: uma modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. (FOUCAULT, 1974, p.4)

Simão Bacamarte trouxe para Itaguaí um novo regime no discurso e no saber, ao introduzir a idéia de uma casa que comportaria todos os loucos da cidade, já que o pensamento predominante em Itaguaí, até então, era que cada louco permaneceria com sua família e os mais calmos poderiam, inclusive, andar pela cidade.

(...) Antes do século XVIII, a loucura não era sistematicamente internada, e era essencialmente considerada como uma forma de erro ou de ilusão. Ainda no começo da idade clássica, a loucura era vista como pertencendo às quimeras do mundo; podia viver no meio delas e só seria separada no caso de tomar formas extremas ou perigosas. Nestas condições compreende-se a impossibilidade do espaço artificial do hospital em ser um lugar privilegiado, onde a loucura podia e devia explodir na sua verdade. (FOUCAULT, 1979, p.120)

Com a Casa Verde, a população de Itaguaí viu, além de um prédio esplendoroso, um local apropriado de repouso e tratamento para seus loucos, que antes estavam pré-destinados a loucura, e agora poderiam ter uma “saída” da sua situação de insanidade.
Como afirmou Foucault, toda sociedade possui seu “regime de verdade”, mas é fato que, a verdade não existe, assim, possibilitando uma eventual descontinuidade com possíveis descobertas, o que nesse caso, introduz esse “novo regime de verdade”. Foi exatamente o que ocorreu em Itaguaí com a vinda do Dr. Bacamarte e a criação da Casa Verde, pois o discurso científico da Psiquiatria tomou o lugar do que era tido como correto sobre o tratamento dos loucos nessa sociedade, e sendo assim, passou a ser a nova verdade aceita pelos homens.

A institucionalização do discurso e a aceitação como verdade

Para Foucault, a verdade é “vontade de poder”, é querer, é convencimento, é o que os homens aceitam como acordo, afinal, a modernidade matou a verdade, a tornou normatizada, e sendo assim, a ciência nada mais é se não um discurso normatizante. Podemos entender então que todo discurso científico se constitui a partir de regras que tem que ser obedecidas.
Com a criação da Casa Verde, Bacamarte introduziu ao seu discurso uma institucionalização, uma normatização do seu saber, trazendo com isso, meios de aceitação e legitimação da verdade científica sobre os loucos e as melhores formas de curar tal patologia – que no caso seria através das internações.

A prática do internamento no começo do século XIX, coincidiu com o momento em que a loucura é percebida menos com relação ao erro do que com relação à conduta regular e normal. Momento em que aparece não mais como julgamento perturbado mas como desordem na maneira de agir, de querer, de sentir paixões, de tomar decisões e de ser livre. (FOUCAULT, 1979, p.121)

Acreditamos que Foucault vai além: saber não pressupõe poder. Saber é poder. A verdade, na realidade, oculta dispositivos de poder. Existe verdade? Não, o que existe é poder. O poder constitui o sujeito. Constitui a verdade.
Desse modo, Itaguaí ficou a mercê das “verdades” de Bacamarte, que se apoderando delas, “impôs” a população um poder legitimado pela ciência, assim sendo, mesmo que contestado, suas ações não eram paralisadas.
Foucault analisa a questão da produção do conhecimento, através do que chama de “genealogia do poder”, de tal modo que tenta ratificar que a verdade possui um contexto histórico e, sendo assim, não é algo transcendental. Ele não analisa o saber na direção das idéias, mas das táticas, das lutas, dos comportamentos e das decisões. Assim, observa a estratégia do discurso de uns em relação aos outros, e os caminhos empregados para se chegar a uma verdade.
As internações na Casa Verde foram aceitas por um êxito dessa “vontade de poder”, afinal a cada descoberta, o alienista convencia a população da veracidade das categorias, legitimando cientificamente cada entrada de um novo interno, assim, a população por sua vez (mesmo que em certos casos desconfiasse) acabava por não refrear essas “verdades”.

O efeito de legitimação do asilo, por sua vez, está ancorado e organizado pelo saber psiquiátrico ― entendido aqui, especificamente, como uma estratégia de poder. O saber psiquiátrico produz uma ação normativa que tem como função social legitimar a reclusão de determinados indivíduos cujas manifestações não podem ser toleradas. (PERRUSI, 2004, p.139)

As reflexões de Foucault surgem de uma noção política, onde os seus maiores objetos de estudo são o poder e o saber. O poder para ele é uma relação estratégica que perpassa todos os indivíduos, é guerra, é força e essa força nem sempre é negativa, existindo assim, a força positiva. Essa noção de que o “poder perpassa todos os indivíduos” retira a visão localista do poder, como por exemplo, a idéia de que o Estado era o detentor único do poder. Essa é uma visão pancrática, pois o poder é a essência que constrói a sociedade e como afirmou Nietzsche: “Tudo é poder”.
Foucault reconstitui o micro, onde observa os micropoderes (dispositivos de poder, onde poder é saber e saber é poder). O poder pode ser positivo porque pode produzir realidade, ele não é apenas força, violência, o poder também produz corpos, indivíduos, é o que Foucault chama de Biopoder. É bom deixar claro que o poder só é obedecido por alguém que está livre porque do contrário seria violência, isto é, o uso da força.

O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir. (FOUCAULT, 1979, p.8)

Desse ponto de vista Itaguaí passou a ser uma tecnocracia dirigida a partir da Casa Verde? Tem-se aí um belo exemplo de Positivismo? Ou estaria Itaguaí vivendo uma experiência concreta de tudo aquilo que foi sonhada pelos iluministas (um mundo dominado pela razão, pela ciência)?


Casa Verde: O terror de Itaguaí

“O terror acentuou-se. Não se sabia já quem estava são, nem quem estava doido. (...)” (ASSIS, 1996, p.44)
Como já falamos acima a verdade não existe; o que existe são relações de poder as quais são capazes de fundar o conhecimento. Em outras palavras, a verdade não existe fora do poder ou sem poder; ela é produzida como efeito de poder. Foucault está preocupado com a dominação discursiva e não com a dominação de classe (capitalismo), o que o diferencia de Marx. É através da naturalização que o discurso pode se tornar um discurso dominante. Da mesma forma, cada sociedade tem seu regime de verdade, isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros.

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é - não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções - a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentos de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1979, p.12)

Foucault fala de um regime no discurso e no saber (novas descobertas; transformações que não seguem esquemas suaves e continuistas de desenvolvimento; são transformações que mudam bruscamente e dessa forma desconstrói verdades) ou regime discursivo (dos efeitos de poder próprios do jogo enunciativo). Para ele vivemos e sempre vamos viver na descontinuidade, pois essa desconstrução de verdades muda as regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. A questão é se esse novo discurso que vai predominar será benéfico, pois vê-se que nem todo enunciado aceito como verdade supõe autonomia de um sujeito ou de uma sociedade. Talvez seja essa a idéia que Machado de Assis queria transmitir através de seu conto. Note-se que é possível encontrar uma crítica sua ao Positivismo por meio da fala do alienista: “Meus senhores, a ciência é coisa séria (...) Não dou razão dos meus atos de alienista a ninguém (...) Não farei a leigos nem a rebeldes.” (ASSIS, 1996, p.53)
Se a ciência pressupõe uma "política geral de verdade", significa que, primeiro, ela pressupõe poder. Todo esforço de Foucault é relacionar saber com poder, desconstruindo uma visão idílica de ciência, sem conexões com a política, o Estado, os interesses dos atores sociais, etc.
As Ciências Humanas aparecem então como dominação e não como esclarecimento, ela busca o saber e assim é uma forma de assujeitamento do indivíduo que sai de um discurso e cai noutro, pois para Foucault, não é possível construir um saber libertador, esclarecedor (como pensou Marx), o máximo que pode acontecer é se sair de um poder e cair em outro, pois tudo é poder.
Assim sendo, o novo progresso científico em Itaguaí não veio a colaborar com uma sociedade mais autônoma e esclarecida, pelo contrário, a ciência serviu de intrumento de racionalização  e classificação dos indivíduos na medida em que dita quem é ou não louco. Pode-se então afirmar que a ciência produz os loucos. E mais: podemos dizer que aquilo que para Weber era tido como processo de racionalização e progresso, para Foucault era tido como uma forma mais eficiente de controle do indivíduo.
“A ‘verdade’ está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. ‘Regime’ de verdade.” (FOUCAULT, 1974, p.14).
A importância do pensamento de Foucault reside na desconstrução da idéia de verdade unívoca ao apontar a verdade como uma produção histórica e social, indicando a multiplicidade e heterogeneidade presentes nos diferentes objetos. Com isso, nega-se a possibilidade de apreendê-los de forma objetiva e neutra, e coloca-se em xeque qualquer conhecimento que se diz baseado em uma verdade, seja ela revelada ou apreendida da “realidade”, compreendendo então que Saber é Poder.


O Alienista-paciente. A auto-crítica científica

“—Nada tenho que ver com a ciência; mas, se tantos homens em quem supomos são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?” (ASSIS, 1996, p.49)
Aqui chegamos a um ponto crítico do conto e do artigo.
A ciência é sim um conhecimento ou uma forma de ver o mundo baseado na empiria, mas também pode servir de controle social. Isso não quer dizer que por estar baseada na empiria seja detentora da verdade, nem por outro lado, que sempre vá servir como instrumento de dominação. Mas em que condições a ciência deve atuar? Já vimos a partir do conto que a autonomia total, e a carta branca para a ciência fazer o que bem entender pode produzir efeitos negativos (e aí entendemos a produção de bombas atômicas, os horrores ocorridos nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, etc.); por outro lado, uma total sujeição da ciência representaria algo incompatível com uma sociedade dita democrática e com todos os valores que entendemos como consensuais.
Dadas essas questões parece-nos razoável estabelecer certos limites à ciência que partem de uma compreensão de que ela não é detentora da verdade e de que volta e meia precisa ser alvo de críticas e questionamentos por parte da própria sociedade (isto é, internar o alienista), e porque não dizer de si mesma (o auto-internamento do alienista).
Para a Teoria Crítica (corrente de pensamento surgida na Escola de Frankfurt, no Pós-Primeira Guerra), a ciência se desenvolve com a crítica, e essa crítica só é possível como crítica social, para Habermas. Já Adorno acredita que o progresso da ciência tem como preço a perda da capacidade crítica. A Teoria Crítica surge como alternativa ao Positivismo (por ser uma crítica ao Positivismo) e sua critica a sua separação entre fato e valor.  É uma teoria emancipadora, no sentido de afirmar a necessidade de se construir uma teoria que reivindique a emancipação humana como seu valor essencial.
Nesse ponto de vista, pode-se dizer que uma compreensão de Foucault cairia adequadamente, afinal ao falar de Charcot e Pasteur, ele nos lembra que a ciência, em muitos casos, pode sim produzir as patologias que tanto descreve:

Hipótese: a crise foi inaugurada e a idade ainda mal esboçada da anti-psiquiatria começa quando se desconfiou, para em seguida se ter certeza, que Charcot produzia efetivamente a crise de histeria que descrevia. Tem-se aí mais ou menos o equivalente à descoberta feita por Pasteur de que o médico transmitia as doenças que devia curar. (FOUCAULT, 1979, p.123)




Referências bibliográficas

ASSIS, Machado de. O Alienista e o Espelho. RJ: Ediouro ,1996. pp.7-94

FOUCAULT, Michel. A Casa dos Loucos. In: FOUCAULT, Michel.  Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado (Org.). 23ª Edição. Rio de Janeiro: Graal, 1979. pp. 113-128

___________________. Nietzsche, a Genealogia e a História. In: FOUCAULT, Michel.  Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado (Org.). 23ª Edição. Rio de Janeiro: Graal, 1979. pp. 15-37

 ___________________. Verdade e Poder.  In: FOUCAULT, Michel.  Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado (Org.). 23ª Edição. Rio de Janeiro: Graal, 1979. pp.1-14

PERRUSI, Artur. Tiranias da Identidade: profissão e crise identitária entre psiquiatras. 2004. 315f. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2004.

WEBER, Max. Sobre a Teria das Ciências Sociais. Tradução de Carlos Grifo Babo. Lisboa: Presença, 1974. 196p.

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